Publicado em: 20/09/2022

Fundado em Campinas ao final de 2017, o CAOS se estabeleceu como uma das maiores casas noturnas de house e techno do Brasil, tendo recebido vários dos principais nomes dessa cena nesses quase cinco anos. Porém, sempre há espaços para estreias, e a do dia 24 de setembro será mais do que especial: pela primeira vez, o clube abre suas portas para Dubfire.

Pioneiro. Se existe um único adjetivo para descrevê-lo, é este. Basicamente, tudo o que conhecemos como cenário eletrônico e de cultura clubber não existiria da maneira como é hoje se não fosse por esse DJ e produtor. Nascido em abril de 1971 como Ali Shirazinia, em Teerã, capital do Irã, imigrou com a família para os Estados Unidos, quando o país natal se transformava em uma república islâmica. A mudança, aos sete anos de idade, foi fundamental para moldar o seu caráter e incentivá-lo a seguir uma carreira artística.

Na escola, andava com a turma alternativa, e foi se envolvendo cada vez mais com estilos como punk e new wave, que posteriormente o levaram a conhecer e se apaixonar por house e techno. Isso fez com que ele decidisse seguir a carreira de DJ nos anos 1990, em Washington D.C., onde morava, em uma época em que essa cultura ainda engatinhava. A resistência familiar foi rapidamente vencida quando o jovem Ali mostrou que poderia, sim, ganhar a vida daquele jeito. E se as dificuldades são maiores quando se precisa percorrer caminhos novos, as oportunidades também o são — afinal, se a cena DJ ainda era muito incipiente, havia um espaço enorme para se fazer coisas novas e inimagináveis. Quem fosse criativo, talentoso e focado, se destacaria.

Tocando discos de rap, house, acid house e funk com um MC jamaicano fazendo os famosos "toasts" da cultura dub/reggae — basicamente, improvisando rimas em cima das bases instrumentais tocadas pelo DJ  —, Shirazinia logo começou a chamar a atenção na noite local, em que aquele formato de apresentação era inédito. Arriscando-se nos poucos clubes pequenos da capital americana e transformando temporariamente restaurantes em grandes pistas de dança, seus primeiros passos ajudaram a definir a cena underground da cidade.

No meio desse tempo, acabou conhecendo Sharam Tayebi, o DJ Sharam, que também era um imigrante natural de Teerã. Com personalidades e gostos musicais diferentes, mas complementares, os dois logo ficaram amigos, e em 1992, fundaram o Deep Dish, que na década seguinte viria a ser nada menos que a maior dupla de música eletrônica do planeta.

Misturando progressive house com rock e pop, o duo fez bastante sucesso nos anos 1990, mas foi nos 2000, a partir de hits como "Flashdance", "Dreams" e "Say Hello", que alcançou  o estrelato internacional — algo até então inusitado para DJs. Venceram um Grammy em 2002, remixaram artistas como Pet Shop Boys, Michael Jackson e Madonna (para quem também abriram um show), assinaram trilhas para desfiles de moda, partiram em turnês épicas com shows sold-out e começaram a ganhar um espaço midiático que também não era comum a produtores. Naturalmente, foram influência para vários dos big names que viriam a estourar alguns anos depois com a febre da EDM, como David Guetta, Swedish House Mafia e Calvin Harris.

Depois de uma estrada de quase 15 anos de muito sucesso, parceria e pioneirismo, mas também brigas, o ciclo do Deep Dish chegava ao fim. Mais maduros, Dubfire e Sharam começaram a ter suas preferências artísticas cada vez mais acentuadas, e optaram por seguir caminhos diferentes, com suas respectivas carreiras solo (embora, eventualmente, ainda se reencontrem para novos shows e singles pontuais).

Influenciado pelas grandes noites de Ibiza, Ali percebeu que era aquilo que queria para ele — uma conexão mais profunda com suas raízes através de um som mais obscuro, minimalista e menos acessível. Mas não foi fácil. Depois de atingir o topo, teve que recomeçar praticamente do zero (inclusive bancando gigs do próprio bolso), e convencer os exigentes fãs de techno que ele também pertencia àquele movimento.

Com produções definidoras de uma geração, como "Roadkill", "Emissions", a superclássica "RibCage" e remixes para Plastikman, Nic Fanciulli e Radio Slave e Danton Eeprom, Dubfire conquistou expoentes como Sven Väth e Richie Hawtin, que perceberam talento, autenticidade e paixão genuína em sua arte, e o apoiaram com o lançamento de suas músicas e o bookando em importantes gigs. Ninguém acreditava que o produtor daqueles novos sons — que não somente eram excelentes, mas também inovadores, levando a sonoridade do minimal techno para novos horizontes — era o mesmo que havia feito músicas como "Flashdance".

Assim, depois de conquistar até mesmo os fãs de techno mais puristas, Dubfire se consolidou como um dos maiores artistas do gênero em todo o planeta, colaborando com nomes como Carl Craig, Kölsch e Oliver Huntemann, e criando remixes para Chris Liebing, Kevin de Vries, Moscoman, Stephan Bodzin, entre muitos e muitos outros.

Nos últimos 15 anos, passou a viver em uma rotina intensa de viagens, produções e reuniões, a qual, mesmo aos 51 anos de idade, ele segue amando — sobretudo, pela vasta oportunidade gastronômica, outra de suas grandes paixões. Sua afeição por novas tecnologias o consagrou como uma figura respeitada e parceira de algumas das maiores empresas de equipamentos para DJs, e o estilo criativo e com uma assinatura muito própria de shows — seja em suas discotecagens, seja em suas performances live — lhe rendeu uma legião de fãs nos quatro cantos do planeta. Isso sem falar em sua SCI+TEC, fundada no mesmo ano em que recomeçou sua carreira solo (2007), que se consolidou como uma das maiores gravadoras de techno de todos os tempos.

É com essa bagagem de três décadas no topo, mas sempre se reinventando, aliada a uma combinação rara de virtudes, que essa lenda viva, que já declarou seu amor ao Brasil e ao público brasileiro, faz sua estreia no CAOS na última abertura de setembro.

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